quinta-feira, 13 de março de 2014

50 anos do Golpe: A disputa pelas ruas e pelo seu significado

Por Alexandre Xandó *

Às vésperas do desgostoso aniversário de 50 anos do Golpe Civil Militar, uma polêmica foi instaurada na cidade de Vitória da Conquista-BA. Fora apresentado pelo vereador Florisvaldo Bittencourt (PT), em conjunto com a Comissão Municipal da Verdade, um projeto de lei que veda a denominação de ruas, prédios e equipamentos públicos de qualquer natureza, com o nome de indivíduos que tenham cometido crimes de lesa humanidade, como tortura ou outras graves violações aos direitos humanos, ou que tenham participado ou colaborado com golpes militares, ou atentados à democracia.

De imediato, houve reação por parte de alguns populares (entendendo que as mudanças causariam problemas na entrega de correspondências) e também pelos tradicionais setores conservadores da cidade. Para estes, é necessário se respeitar a história do país, e trocar o nome dos logradouros é uma manobra ideológica da esquerda.

Esse tipo de debate, muito mais profundo do que aparenta, traz novamente à baila a disputa pela memória do período da ditadura, pela soberania sobre espaços públicos e pela impressão de símbolos históricos no tecido urbano. Enquanto os opositores foram processados, perseguidos e tachados como terroristas (como a direita gosta de qualificar pejorativamente a Presidenta Dilma, por exemplo), os golpistas que se apoderaram do poder do Estado tiveram os seus nomes atribuídos a logradouros públicos e até a municípios – como é o caso da cidade de Presidente Médici no estado de Rondônia. Esses mesmos que lucraram milhões com a venda de nossas riquezas, dizimaram populações indígenas, se utilizaram da censura aos meios de comunicação e artistas, torturaram e mataram centenas de brasileiros, dão nome a dezenas de escolas, praças, pontes e ruas do país.

Face a esta realidade, desde os primeiros anos da redemocratização do país, diversas entidades, partidos e movimentos têm travado lutas para a renomeação desses espaços e para a supressão das homenagens aos agentes do regime, seja por meio de ações simbólicas ou pela via institucional. Em geral busca-se a troca dos nomes dos repressores pelo de cidadãos que combateram ou foram perseguidos pelo regime, sendo uma forma de ressignificar a história dessas pessoas, estigmatizadas como inimigos da nação.

 O Projeto de Lei conquistense não é algo inédito. Em 2013, na cidade de São Paulo-SP, foi sancionada a lei nº 15.717, na qual os moradores de ruas que levem o nome de pessoas que tenham cometido crime de lesa humanidade podem solicitar a mudança de sua nomenclatura. No mesmo sentido a Lei nº 10.086 da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba que dispõe sobre essas alterações.
Mais do que algo burocrático ou preso ao passado, travar essa discussão é debater Direitos Humanos! A diretriz 25 do Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, traça como objetivo estratégico “fomentar debates e divulgar informações no sentido de que logradouros, atos e próprios nacionais ou prédios públicos não recebam nomes de pessoas praticaram crimes de lesa-humanidade, bem como determinar a alteração de nomes que já tenham sido atribuídos.

Deste modo, ao enfrentarmos este debate e renomearmos as nossas ruas, escolas e praças, repudiamos o Golpe Civil-Militar e os nefastos efeitos que perduram ainda hoje em nossa sociedade. Apresentamos aos jovens a nossa história, e afirmamos que não devemos reverenciar os responsáveis pelos anos mais sombrios de nosso país. Reconhecemos as torturas, estupros, mutilações e as demais violações perpetradas pelo Estado Brasileiro, e bradamos que não as aceitaremos novamente.

Que a lei seja sancionada e possamos rebatizar as nossas ruas com os nomes que realmente merecem homenagens: o das lutadoras e lutadores de nossa região, que entregaram suas vidas em defesa da democracia. Viva Péricles Gusmão, Dinaelza Coqueiro, Franklin Ferraz, Camillo de Jesus Lima, e tantos outros e outras que não se renderam face às arbitrariedades e à violência.

*Alexandre Xandó é Advogado, Coordenador do Programa de Educação em Direitos Humanos da UESB e militante do Levante Popular da Juventude.

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